quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

o encontro de nabokov e tchecov


Antes de começar as filmagens para o DOC-TCHECOV, eu fui em busca de adaptações cinematográficas das obras do autor russo e comecei a vê-las pela “Pequena Lili”, feita em 2003 por Claude Miller. Portanto, vamos às considerações.



O filme é uma livre adaptação de “A Gaivota”, uma comédia em quatro atos publicada originalmente em 1896. Nela, acompanhamos uma família em uma propriedade rural que aguarda a apresentação da peça escrita por Trepliov e que será encenada por Nina, uma aspirante à atriz por quem ele é apaixonado. Logo de início, vemos que a encenação desagrada Arkádina, mãe de Trepliov, e isto arruína toda a noite trazendo aborrecimento ao filho e certo ar desagradável entre os convivas. Com isto, Tchecov nos mostra que Trepliov vive angustiado, porque deseja Nina. Mas esta, por sua vez, vive angustiada porque deseja Trigorin, um escritor amigo da família. Desta forma, acompanhamos a desolação íntima daquelas pessoas que vivem incomodadas com o presente; mas, embora, presas a ele, não conseguem criar e experimentar melhores possibilidades para seus futuros. Ao fim da peça, Nina, que fugiu com Trigorin para realizar seu sonho de ser atriz na capital, acaba retornando amargurada para o interior. Por sua vez, Trepliov, o aspirante a escritor, sufocado pela aura da mãe e pelas oportunidades perdidas, comete suicídio.

Muito bem, Claude Miller manteve no filme certos signos característicos da peça de Tchecov. A gaivota, sendo o símbolo da liberdade, é vista logo entre os créditos iniciais do filme. Vale destacar que “Liberdade” também é o nome da propriedade rural onde se passa a história. Além disso, vemos a fazenda delineada por um lago, o que define, de certa forma, tanto o isolamento físico quanto o imaginário dessas personagens ambíguas que buscam realizar seus desejos.

E desejo aqui será um elemento forte no filme de Miller, afinal o primeiro plano do filme é um belo nu de Lili (Ludivine Sagnier) se preparando para fazer amor com seu namorado Julien (Robinson Stévenin) nas relvas da fazenda. Feito isto, Julien prepara a exibição para a família de seu curta-metragem protagonizado por Lili. Todos reunidos, mas o filme desagrada à sua mãe, atriz, e a condescendência de seu pai, cineasta profissional, o ofende. A partir deste momento de tensão, Lili se afasta cada vez mais de Julien e se deixa encantar por seu pai, Brice. Esta clara referência à Lolita, de Nabokov, conduz toda a narrativa do filme e acaba dando tons ao humor das personagens durante aquela estadia.

Mesmo sendo uma relação impossível, já que Brice é casado e pai de Julien, Lili foge com seu sogro iludida com o sonho de ser estrela de cinema. Com o tempo, Julien, que fora abandonado, se casa com Jeanne-Marie (Julie Depardieu) e se torna um grande cineasta adaptando esta própria história ao cinema e então, uma pequena vingança: Julien acrescenta ao script da personagem de seu pai um segredo que seria somente dele, mas que Lili havia descoberto. Desta maneira, Claude Miller adota a metalinguagem como forma de superação daqueles conflitos familiares, já que convida seus próprios parentes para encenar seus próprios papeis em seu longa-metragem de estreia.

Assim, a adaptação de Claude Miller trouxe leveza e erotismo à Gaivota ao construir o filme em torno de uma Lolita, a Lili, que atualiza o imaginário de Tchecov ao mesmo tempo em que nos mostra como a criação artística é feita de biografia, desejo e sublimação.

Abraços fortes!
Fábio

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