sábado, 25 de agosto de 2012

enfim, a estreia de almas


Dia vinte e cinco de agosto.

Já se passaram cinco meses desde as primeiras filmagens da montagem do espetáculo "Almas Abaixo de Zero" pela Companhia Teatro da Cidade. E, hoje à noite, daqui a três horas e pouco, será a estreia do espetáculo no SESC de São José dos Campos.

Acabo de voltar do SESC onde a Cia ainda repassa alguns diálogos das cinco cenas que compõem o espetáculo itinerante. O clima é de ansiedade. Os diretores falam mais, andam mais, gesticulam mais. Os atores erram algumas sílabas, atropelam a fala um do outro, entreolham-se pelos cantos dos olhos em busca da 'deixa', do 'gancho', do momento de entrar em cena. Enfim, em cima da hora tudo apavora.

Todos os cenários já estão 'quase-montados'. Sim, porque esta é a condição necessária para a estreia uma vez que os cinco atores terão que encarar uma itinerância que vai do solário, passando pela comedoria até a sala multiuso. Dali, cruzam novamente toda a comedoria, encaram uma, duas rampas até o auditório onde, enfim, desenvolvem uma cena em palco italiano. Cerca de vinte minutos depois, voltam para as rampas onde ensejam o espetáculo numa cena em um trem que, cortando a Sibéria, nos fazer uma dramática Sacalina-Pinheirinho rumo a um chá final alegórico. Tudo isso em nove e cinco minutos...

Como não fosse o bastante, o espetáculo se desenrola nas zonas cinzentas de uma dramaturgia noir que frequenta os limites entre encenação e representação, diálogo e conversa com o público, uma jogada muito disputada, discutida e debatida nestas últimas semanas.

Bem, agora é tempo de nada mais. É hora de ligar a câmera e manter a companhia no enquadramento. É momento de se infiltrar junto ao público e jogar com Tchecov. É momento de colocar um ponto final nesta história. E começar uma nova página rumo à finalização do documentário.

Abraços!
Fábio


terça-feira, 24 de julho de 2012

a atriz e o desafio


Gostaria de publicar aqui também um artigo da Ana:

Um dia pensei em desafio, mas quando penso nisso em minha profissão, fantasio tanto, e quando este tal desafio chega não sei muito o que fazer com ele, porque acabei vendo que o desafio está mesmo no cotidiano, no corriqueiro, acabei percebendo com este novo trabalho desafiador o quanto viver é uma grande aventura. (Aliás, todo novo trabalho é um grande desafio).

E isso não está em pular de pára-quedas ou escalar uma grande montanha, a aventura desafiadora da vida está dentro de nós mesmos, é saber lidar com nossas angustias, é saber aceitar que diante de alguns fatos, e às vezes os mais simples nós somos ridículos. Sim somos ridículos!! E fazemos coisas que por muitas vezes não compreendemos, sim fazemos! Julgamos pessoas e situações. Sim Julgamos! Procuramos os grandes heróis da vida o tempo todo. Sim procuramos!

O Tchekhov tem nos ensinado muitas coisas belas e simples, “que talvez daqui a cem ou duzentos anos vão ser compreendidas”... A delicadeza do Samir, a maneira com que ele nos presenteia com personagens tão próximo de nós, e tão próximos do Tchekhov, muitas vezes, sem pretensão nenhuma, me lembra as histórias do Tam (Teatro de arte de Moscou) e a angustia de seus intérpretes, que muitas vezes não entendiam os textos do autor que eles tanto trabalharam.

E aí está ele novamente O Desafio, estamos a um mês de nossa estréia, e os desafios não param de chegar, acho angustiante, mas saboroso, porque acho que no fundo nós artistas gostamos mesmo é de ficar incomodados, de se sentir perdido pra se achar no palco, se reinventar a cada instante... E como eu gosto!

 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

entre a quietude e a simplicidade

fim de tarde na eictv/ cuba

Mês de julho, recesso profissional, o inverno chega e aos poucos vamos, como se diz, colocando as coisas em dia. O que intriga é que sempre estamos colocando as coisas em dia. Todos sempre estão colocando suas coisas em dia. No meu caso, ainda há alguns livros perdidos na sala e no guarda-roupa, algumas fotografias de viagem em pastas erradas e outras filmagens em fitas mini-dv's e que eu não sei como editá-las. Ao largo disso tudo, o que me coloca em dia são essas filmagens do AAZ, e mais ainda a edição deste material.


Enquanto o teaser #03 está sendo renderizado, escrevo afim de dizer que as filmagens da última semana foram inquietantes, posto que as duas palavras que mais vi e ouvi foram "quietude" e "simples". A quietude foi muito dita porque a companhia já recebeu um primeiro texto para a criação do espetáculo e agora o processo trata de dramatizar aquelas palavras, isto é, é hora de traduzir em jogo cênico o que até este momento não existia: um discurso narrativo. E se houve algo cinematográfico nesta última semana de ensaios, foi justamente este bom conflito entre o verbo e a ação, ou como diria o poeta, entre a intenção e o gesto.


Além disso, até este momento do processo criativo, nunca se disse tanto "é simples". O curioso é que, atualmente, todos dizem "é simples" em algum momento - muito embora nada seja simples quando se está em movimento. O texto diz que é simples, os diretores dizem que 'é simples', os atores, quando se deixam ouvir a si mesmos, dizem que é preciso buscar o que é simples... A gente sabe que, às vezes, é preciso saturar o signo para que o significado seja sentido, ou ressentido, de uma maneira mais expressiva. Dizem outros que este tipo de atitude é típica do mal da virada deste século, 'a linguagem'... 


Foi o diretor musical Beto Quadros quem disse, em algum momento nos ensaios, que não existe silêncio, e sim a quietude. E disso ele deve entender, afinal sua pesquisa sobre música russa tem nos impressionado sobremaneira, tanto ouso dizer que os elementos musicais são os mais coerentes deste processo criativo... Além dele, cito também outra grande cabeça, o Robert Bresson - o homem com a idade do século vinte -, que em sua indispensáveis "Notas sobre o Cinematógrafo" que chegou a afirmar que "o cinema está no silêncio".


Quanto aquilo que é simples, vejo que a única coisa natural e necessária - e portanto simples - é a criação.


Abraços!
Fábio Monteiro


PS: E por falar em simplicidade e quietude, nossas saudações aquele que fez por merecê-las: Carlos R. (1935/2012)

terça-feira, 26 de junho de 2012

do princípio ao fim


Enfim! Encontrei a obra prima de Zoia Barash pelas ruas de Havana, mais exatamente a duas quadras da sorveteria Coppelia. Em meu último dia em Havana, empunhei minha inseparável garrafa d'água e me pus a andar pela rampa até encontrar Martin, um colega de EICTV que me indicou uma livraria José Martí logo abaixo da sorveteria. Para minha supresa, ela era vizinha de uma incrível doceria com ar condicionado e quitutes inéditos para a minha estadia de um mês na ilha. Assim foi que, após um 'flan' na doceria, fui até a livraria à procura de literatura de cinema e, logo de cara, duas senhoras muito simpáticas me entregaram quase toda uma estante de publicações incríveis - aos meus olhos brasileiros -, coisas como uma coletânea de artigos de cinema de Carpentier, uma biografia de Eisenstein e esta pérola acima, dentre outras.

Bem, ainda não tive a oportunidade de iniciar a leitura de Barash (1953 - ), ucraniana que viveu em Cuba a partir dos 1960. Mas pelo que conferi no índice, não nos faltaram referências sobre Anton Tchekov, isto é, sobre suas referências no cinema...

Antes de finalizar o artigo e correr para a leitura, informo: esta é a segunda edição da obra, 'revisada y ampliada' e datada de 2011, uma publicação recém saída do forno. E que custou a bagatela de 25 pesos cubanos...

PS: Para começar a conhecer Barash, recomendo um artigo em inglês: http://www.havanatimes.org/?p=9753 e outro em espanhol da inevitável pupila insone de Borrero: http://cinecubanolapupilainsomne.wordpress.com/2010/08/01/zoia-barash-y-elizabeth-mirabal-conversan/.

Abrazos!
Fábio Monteiro

terça-feira, 22 de maio de 2012

a crise, uma referência incontornável


O JOGO: Eduardo Coutinho finalizou "Moscou" em 2009, sendo esta produção uma continuação de suas investigações iniciadas em "Jogo de Cena" (2007), filme no qual ele vira a câmera para a plateia a partir do palco do teatro, tendo em primeiro plano uma sucessão de truques discursivos elaborados entre confissões reais e ficcionais.

Jogo de Cena foi um documentário muito bem recebido pela crítica, afinal, naquele momento, o discurso documental enfrentava sérias transformações de conteúdo e sintaxe com produções que desafiavam as noções de verossimilhança, factualidade e criação do real. Em outras palavras, é possível afirmar que, em escala internacional, os documentaristas estavam interessados em testar os limites daquilo que o documentário propõe como real e crível, também no sentido de fato histórico. E o Coutinho não escapou dessas experimentações, ao contrário, buscou se reinventar.

Jogo de Cena permitiu que Coutinho subvertesse a primeia lógica documental, a do sujeito-observador que busca seu objeto-observado. E fez isto publicando um anúncio à procura de pessoas afins de dar seu depoimento ao filme. Nesse sentido, o que houve, de fato, foi uma subjetivação do processo criativo por parte dos interessados que buscaram aquela câmera localizada numa sala de espetáculo carioca. Em um segundo momento, Coutinho convidou atrizes conhecidas e desconhecidas do grande público telespectador - e este é um fator decisivo para a experiência fílmica, embora não a desenvolvamos aqui - para que elas encenassem alguns depoimentos colhidos de pessoas ditas comuns.

AS CENAS: Bem, esta introdução pode nos ser importante para compreender "Moscou", afinal, como o próprio Coutinho afirma, ele mesmo se tornou uma peça secundária no processo de criação. Moscou é um documentário com cerca de 80' sobre o processo de criação do Grupo Galpão envolvido com "As Três Irmãs", de Tchecov. E, para tanto, Coutinho que estava acostumado a produzir entrevistas de 'maneira sistemática', teve que se posicionar de 'maneira randômica' a fim de coletar as mais de setenta horas de filmagem do para finalizar "Moscou". Além disso, ele afirma que o processo de edição foi fundamental para criar uma obra, posto que ela é cheia de sentidos.

Ao ver o filme, percebemos que ele se trata de um quebra-cabeça audiovisual, de um espelho fragmentado no sentido proposto por Silvio Da-rin em seu livro já clássico. Ao acompanhar o documentário, o que vemos não é somente a produção teatral  - o que seria uma opção; também não é somente uma questão de refração semântica que revela o jogo duplo do diretor-dirigido, do realizador-realizado - o que seria uma segunda opção, mas talvez mais comum. O que se evidencia no filme é a incompletude do processo cinematográfico frente aos recursos teatrais: são as frestas criativas, os interstíticios discursivos, tudo aquilo que não pode ser capturado pelas câmeras, são estas coisas que ficam evidentes no filme. E este é o jogo revelador das ambiguidades envolvidas na relação entre cinema e teatro. E são ambiguidades porque o que é visto é filmado pode vir a ser realmente visto e conhecido somente no processo de edição.

AS EXPERIÊNCIAS: Assim, depois desses quatro meses de envolvimento com a Cia Teatro da Cidade, temos ainda cerca de quatro horas de filmagem. Nada comparável com as 70h de Moscou. Mas são estas quatro horas que nos permitiram identificar estes fatores decisivos entre o cinema e o teatro: acompanhar uma equipe de teatro a vinte e quatro quadros por segundo requer escolhas e decisões rápidas. Não há muito tempo para escrutínio, para uma investigação mimética, para a sensibilidade mais previsível. Podemos dizer que as filmagens são eminentemente cegas, posto que são muitos os sentidos narrativos que nos estimulam: espacialização, vocalização, gestual e preemências. Assim não há margem para a definição, mas sim para os erros; não há chances para o raciocínio, mas sim para os indícios de momentos com grande potencial de edição. Acompanhar uma equipe de teatro com uma câmera requer muito fôlego, silêncio, concentração e intuição. Uma vez dotados dessas qualidades, podemos não saber muito bem o que está diante de nós, mas certamente teremos um rico material para buscar os sentidos do filme em outra fase de produção, a edição.

Abraços fortes,
Fábio Monteiro









cadernos de pesquisa: "kino russ"

Eis mais uma preciosidade sobre cinema russo, um caderno de estudos sobre as concepções de linguagens artísticas eisensteinianas desenvolvidas por um grupod e estudos do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Russa do DLO/FFLCH/USP. Ao clicar na imagem abaixo, temos acesso à integra do Caderno #01, cuja edição é intitulada "Tarkovskianas".

Abraços!
Fábio Monteiro

o cinema russo em cannes, por mikhalkov

"... há uma grande diferença entre a imagem dos Soviéticos quanto ao seu cinema (popular) e a imagem forjada pelos Ocidentais (cinema de autor exigente): nos festivais estrangeiros, é dada importância aos que têm diferendos com a censura, dada a degradação da imagem da URSS; o cinema russo contemporâneo continua a sofrer com esta dualidade."
 Mikhalkov

Desde o dia 16 de maio está ocorrendo o Festival de Cannes. E, como sabemos, ele será a grande vitrine para a nova produção de Walter Salles, a sua adaptação de "On The Road", de Jack Kerouac. Aliás, diga-se de passagem que esta adaptação era um velho sonho do Coppola, que hoje é o co-produtor da direção de Salles.  Além disso, no que diz respeito ao cinema brasileiro, é importante destacar que o Festival deste ano convidou ninguém menos que Carlos Diegues para ser o presidente do Júri da Câmera de Ouro.

Mas o importante para nós aqui é tratar de cinema russo. Embora afastado nestas últimas semanas, a pequisa sobre o tema continuou ativa. Não é fácil acompanhar o ritmo de uma produção teatral. Ainda mais quando a Companhia é composta por gente tão fecunda como esta Cia Teatro da Cidade: acabamos sendo bobardeados por muitos estímulos a cada semana que passa! Enfim, enquanto eu lia sobre o Festival de Cannes, acabei encontrando um inestimável artigo sobre a história do cinema russo elaborado por ninguém menos que Nikita Mikhalkov, o diretor de "Ana, dos 6 aos 18" e, além disso, um dos últimos remanescentes dos grandes tempos do cinema soviético.

Além de ler o monumental artigo, clicando na foto abaixo temos acesso a um acervo de fotografias e desenhos raros de Eisenstein:

  

Abraços fortes,
Fábio Monteiro

quinta-feira, 17 de maio de 2012

em busca de paisagens sonoras


Eis o segundo teaser! Nele procuramos mostrar um pouco do mapeamento sonoro que anda sendo feito pelo grande Beto Quadros em busca das paisagens sonoras para o espetáculo. Através de conversas com ele, foi fácil perceber que o músico anda integralmente imerso no universo musical russo, tanto naquele das canções populares, como no impactante repertório de clássicos de cabeças como Mussorgsky e Shostakovich.

Para embalar a pequena trilha sonora em execução, acompanhamos a preparação da nova cena do trem,  aquela já vista no primeiro teaser,  e que tem sido um dos temas condutores da companhia para desenvolver suas leituras de Tchekov.

Boa sessão e abraços fortes!
Fábio Monteiro

sábado, 31 de março de 2012

o homem que não faz falta


“Peça Inacabada para piano mecânico”, 1977, de Nikita Mikhalkov. Uma comédia trágica desenvolvida a partir de uma reunião de famílias aristocráticas em uma casa de campo. Como o próprio crédito inicial aponta, o filme foi baseado em trechos de peças de Anton Tchekhov. O filme se desenvolve enquanto a família Seminovitch, anfitriã, recebe seus convidados, dentre eles Mijail Platonov, “Micha”, um professor aldeão bonachão recém-casado que aparenta levar a vida à maneira de um bon vivant, mas que aos poucos revela que não vê sentido em sua profissão e, além disso, ressente-se de um amor antigo quando encontra Sofia Egórovna, uma ex-colega estudante. A partir do encontro destes antigos amantes, vamos recebendo outros convidados rumo a um generoso jantar.


Logo no primeiro plano, a decupagem de Mikhalkov registra um elemento tchecoviano: o distanciamento. A primeira sequência nos apresenta o grande casarão a partir de diferentes pontos de vista, cada vez mais próximo, mas ainda à distância, além do lago, do bosque. É ali, naquela ilha, naquele reduto que se desenvolve nossa história, a trama de uma reunião familiar em que as pessoas assistem o declínio de seus valores morais, a decrepitude de seus padrões simbólicos e culturais, o desatar de seus laços pessoais e afetivos. Feito isso, mais um fator diegético - além do lago e do bosque fechado: o monóculo usado por Ivanovicht para reconhecer a chegada de Micha e preparar uma barulhenta recepção para seu cunhado. Na sequencia, este mesmo monóculo será utilizado pelo próprio Micha para identificar a aproximação de Sofia, que reconhece mesmo à distância, ainda sendo trazida no barco que atravessa o rio até a casa. Logo após este close subjetivo de Micha através do monóculo, nós o acompanhamos até uma pequena adega sob a escadaria da casa, ele toma uns tragos e se prepara para aquela que ele considera uma boa surpresa – rever um amor antigo – e que será, digamos, o leitmotiv das relações afetivas do filme, posto que é uma relação trágica.

Em termos de roteiro, não nos espanta que, de início, os assuntos prediletos da família anfitriã sejam as vidas, virtudes e fraquezas de seus próprios convidados. E, de mais a mais, o que há de mais em se falar da vida alheia, de forma gratuita, mesmo que para fazer um balanço trágico de sua existência? Quando vemos isto à beira da mesa de chá dos Seminovitch, não nos damos conta da alta octanagem que este tipo de conversa pode ter entre os convidados, dentro de casa, apertados entre os aposentos repletos de mobílias aristocráticas, numa situação em que não há espaço - distanciamento - entre as pessoas. Então, é neste momento que nos vemos com eles numa zona amoral, incapazes de distinguir os limites, as lembranças pessoais das memórias coletivas, as emoções dos desejos. Um exemplo dessas pequenas tragédias que acometem aqueles aristocratas está no desesperado discurso bismarckiano que o médico Pavel Petrovich faz à mesa do lauto jantar se perguntando “onde estão os Pushkin, os Gógol e os Turgueniev” de seu tempo? Revoltado com a “confraternização da nobreza com os taberneiros”, ele continua seu discurso galtoniano e irascível, através do qual aflora, quem sabe, a inconsciência daquela aristocracia irritada com seu declínio e angustiada com os rumos daquele elefante branco que era a Rússia no fim do século dezenove.

Enfim, para encerrar, parafraseio o Dr. Petrovich que, no auge de sua ira durante o jantar, chegou a dizer que Platonov era “o homem que não faz falta”. Ao contrário, Nikita Mikhalkov, descendentes de grande mestres da pintura e dramaturgia, foi um homem forte do Cinema Soviético que se envolveu com a complicada máquina burocrática da Mosfilm, ainda assim conseguiu realizar obras fundamentais para a compreensão da maturidade da Rússia Soviética e do seu declínio. Através de “O Sol Enganador” (1994), vemos o impacto do stalinismo no seio de uma tradicional família camponesa. Além disso, é em “Anna, dos 6 aos 18” (1980 a 1991) que podemos  compreender como o cinema, particularmente o documentário, é intrinsecamente uma questão biográfica.

Abraços!
Fábio Monteiro

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

o encontro de nabokov e tchecov


Antes de começar as filmagens para o DOC-TCHECOV, eu fui em busca de adaptações cinematográficas das obras do autor russo e comecei a vê-las pela “Pequena Lili”, feita em 2003 por Claude Miller. Portanto, vamos às considerações.



O filme é uma livre adaptação de “A Gaivota”, uma comédia em quatro atos publicada originalmente em 1896. Nela, acompanhamos uma família em uma propriedade rural que aguarda a apresentação da peça escrita por Trepliov e que será encenada por Nina, uma aspirante à atriz por quem ele é apaixonado. Logo de início, vemos que a encenação desagrada Arkádina, mãe de Trepliov, e isto arruína toda a noite trazendo aborrecimento ao filho e certo ar desagradável entre os convivas. Com isto, Tchecov nos mostra que Trepliov vive angustiado, porque deseja Nina. Mas esta, por sua vez, vive angustiada porque deseja Trigorin, um escritor amigo da família. Desta forma, acompanhamos a desolação íntima daquelas pessoas que vivem incomodadas com o presente; mas, embora, presas a ele, não conseguem criar e experimentar melhores possibilidades para seus futuros. Ao fim da peça, Nina, que fugiu com Trigorin para realizar seu sonho de ser atriz na capital, acaba retornando amargurada para o interior. Por sua vez, Trepliov, o aspirante a escritor, sufocado pela aura da mãe e pelas oportunidades perdidas, comete suicídio.

Muito bem, Claude Miller manteve no filme certos signos característicos da peça de Tchecov. A gaivota, sendo o símbolo da liberdade, é vista logo entre os créditos iniciais do filme. Vale destacar que “Liberdade” também é o nome da propriedade rural onde se passa a história. Além disso, vemos a fazenda delineada por um lago, o que define, de certa forma, tanto o isolamento físico quanto o imaginário dessas personagens ambíguas que buscam realizar seus desejos.

E desejo aqui será um elemento forte no filme de Miller, afinal o primeiro plano do filme é um belo nu de Lili (Ludivine Sagnier) se preparando para fazer amor com seu namorado Julien (Robinson Stévenin) nas relvas da fazenda. Feito isto, Julien prepara a exibição para a família de seu curta-metragem protagonizado por Lili. Todos reunidos, mas o filme desagrada à sua mãe, atriz, e a condescendência de seu pai, cineasta profissional, o ofende. A partir deste momento de tensão, Lili se afasta cada vez mais de Julien e se deixa encantar por seu pai, Brice. Esta clara referência à Lolita, de Nabokov, conduz toda a narrativa do filme e acaba dando tons ao humor das personagens durante aquela estadia.

Mesmo sendo uma relação impossível, já que Brice é casado e pai de Julien, Lili foge com seu sogro iludida com o sonho de ser estrela de cinema. Com o tempo, Julien, que fora abandonado, se casa com Jeanne-Marie (Julie Depardieu) e se torna um grande cineasta adaptando esta própria história ao cinema e então, uma pequena vingança: Julien acrescenta ao script da personagem de seu pai um segredo que seria somente dele, mas que Lili havia descoberto. Desta maneira, Claude Miller adota a metalinguagem como forma de superação daqueles conflitos familiares, já que convida seus próprios parentes para encenar seus próprios papeis em seu longa-metragem de estreia.

Assim, a adaptação de Claude Miller trouxe leveza e erotismo à Gaivota ao construir o filme em torno de uma Lolita, a Lili, que atualiza o imaginário de Tchecov ao mesmo tempo em que nos mostra como a criação artística é feita de biografia, desejo e sublimação.

Abraços fortes!
Fábio

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

de volta ao documentário

Dois mil e doze. Tempo de Documentário.

Quando soube das perspectivas da Cia de Teatrdo da Cidade de São José dos Campos para este ano, me excedi e me propus um desafio: acompanhar uma equipe de teatro registrando suas pesquisas e processos de criação a longo prazo.

A proposta me veio rápida, em cima da hora e, num primeiro momento, fiz uma rápida pesquisa sobre os filmes russos que eu tenho e sobre quais são as adaptações ou referências cinematográficas da obra do dramaturgo Anton Tchecov (1860/ 1904) disponíveis no mercado.

Feito isto, eu me apresentei rapidamente à Cia, deixei com eles esta consultoria audiovisual sobre Tchecov no Cinema e mostrei interesse em acompanhar os bastidores da produção a fim de coletar imagens para a finalização de longa documentário em meados de outubro. A proposta é finalizá-lo com duas qualidades de imagens, os registros dos bastidores e as futuras entrevistas e ensaios finais com diferentes texturas.

Este diário servirá como fonte de debate sobre os filmes citados ao lado, referências de Tchecov no Cinema. Além disso, disponibilizaremos aqui trechos das filmagens dos ensaios e uma crônica literária sobre esta produção de longa duração.

O diário da produção está no ar, e agora é partir para a ação nos fins de semana durante o processo de criação da Companhia.

Abraços fortes e um ótimo dois mil e doze!
Fábio Monteiro